quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

João Ninguém



João Ninguém

Porra! Sou brasileiro e gosto de churrasco, carnaval e futebol. Gosto de mulher, sexo e cerveja.
Sou apenas mais um cidadão que batalha, trabalha doze horas e ganha um salário vergonhoso. Sou eu, aquele cara que chega suado com o uniforme da empresa louco por um prato de arroz com bife, um banho e uma boa noite de sono.
Sou o mesmo cara que dorme na casa com goteiras, que tem um cachorro vira-latas, amigos que se convertem e também os que se drogam, tenho um chefe parasita.
Sou o mesmo cara que sonha em ter um bom Natal em família, em viajar ou apenas ir ao cinema. O mesmo cara que não pôde ler um livro mais ainda assim venceu na vida.
Venci sem mostrar minha bunda, sem dar pra ninguém e sem ter que maltratar a educação humilde que minha mãe me ofereceu. O cara que é culpado de ser inocente.
Porra fiz merda pra caralho e também acertei em muitas coisas!
Deito pra rezar, acordo pra comer, ouço meu samba enquanto encaro o frio, a chuva e o transito da selva de pedra.
Sou eu, o mesmo menino catarrento que jogava bola nas ruas de pedra, brincava de esconde-esconde e policia e ladrão, aquele que levou boas surras de sandália e que aprendeu a ser homem.
Você aí de cima, do poder, da mídia, das revistas e do rosto impecavelmente liso, eu sei fazer uma coisa que você não sabe. Eu sei lavar louça e varrer um tapete, sei respeitar as empregadas e fazer piada com minha desgraça.
Sou eu mesmo, o João Ninguém que vocês roubam todos os dias, que trabalha com honestidade, o cara que tem orgulho do pouco que tem, da água que bebe, sou brasileiro, sofredor, lutador, pagodeiro de feriado, peão de obra, peladeiro de domingo, cobrador de ônibus, limpador de rua, entregador de jornal, vendedor de bananas, professor, açougueiro, cortador de cana e padeiro. Sou artista de rua, mendigo que pede esmola, secretário e atendente de quitanda, não apareço na TV mas não preciso da minha imagem pra viver pois eu sou a imagem do meu país.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Virgens Pelicanos

Há muitos anos nasceu um pelicano que mudaria a história.
O que hoje vemos em todos os cantos da cidade são os corvos espalhados em becos e vielas, e nem de longe se comparam ao nobre pelicano ou ao sacrifício que a lenda fez por todos os pássaros que nasceriam depois daquela data triste e ao mesmo tempo divina.
Os pelicanos são lindas aves brancas como a neve, enormes, seus movimentos são perfeitos, não se entregam ao clímax do prazer e nem mesmo vivem em função disso. Seu sangue é doado aos seus filhos como sacrifício e prova de amor onde a luxuria e o prazer nem de longe conseguem tentar esse nobre pássaro.
Nós, os corvos que nada de novo fazemos, apenas vivemos as sombras de nossas penas negras jurando monogamia e praticando a carnificina do adultério, em nada parecemos com o nobre pelicano.
Roubamos, cobiçamos, mentimos e matamos, nossos olhares se perdem em meio a tentação dos pecados. Somos o que há de mais podre navegando pelas inquietas águas, falamos a todo instante do Pelicano, que somos bons como Ele, e no fundo sabemos que não passa de uma forma de manter nossa imagem.
Muitas vezes esquecemos do que Ele fez por nós. Esquecemos que ele resistiu as tentações, ensinou a cultivar a amizade, a valorizar os alimentos e amar ao próximo, por mais negro que o corvo possa parecer ou ainda que seja um urubu carniceiro.
Olhamos nossas penas e sabemos que somos todos iguais e ainda assim insistimos em enxergar penas coloridas de araras em nossa carne.
Voamos de flor em flor como uma beija-flor, mas não buscamos a essência e sim o prazer, a aventura. O sexo domina nossos olhos negros de jabuticaba. O sexo, mas como ao ver as asas abertas do Pelicano podemos ainda imaginar o sexo?
Como podemos ainda crer que nossos prazeres carnais são tão importantes quanto o sangue do já abatido Pelicano?
Ele nasceu de mãe virgem, morreu virgem e sempre contou histórias aos seus filhinhos virgens, mas todos os lindos pelicanos foram morrendo em nossa alma e apenas restou a sombra do corvo. Restou apenas o desejo carnal e comercial, restou a imagem e a esperança de que um dia o Pelicano irá voltar com os ensinamentos que deixou e finalmente deixaremos de  ser negros corvos para nos tornarmos virgens pelicanos.